A CESTA BÁSICA DE ROSEANA SARNEY
Era 1966. Depois de vencer a eleição para governador do Maranhão, o
atual presidente do Senado, José Sarney (PMDB), autorizou que os
festejos de seu triunfo fossem filmados pelo diretor Glauber Rocha, um
dos maiores cineastas da história do país. Em seu discurso de posse,
captado pela lente de Glauber, um cativante Sarney aparece dizendo que o
Maranhão de 1966 não suportava mais “o contraste de suas terras férteis
com a miséria”. Quase meio século depois, a desigualdade persiste e é
reafirmada pela abundância de comida na casa da governadora e filha do
orador de outrora, Roseana Sarney (PMDB).
No fim do ano passado, o Diário Oficial do Maranhão publicou
os editais para a contratação de empresas fornecedoras de alimentos
perecíveis e não perecíveis para as residências oficiais e para a casa
de veraneio da governadora e do vice-governador, Washington Luís. Os
documentos informam que, ao longo de 2012, o governo poderia gastar até
R$ 1,67 milhão em comes e bebes nessas três moradias. Esse valor, 80%
maior do que o previsto em 2011, chamou a atenção dos poucos deputados
estaduais oposicionistas. Nos detalhes, a lista de mantimentos de
Roseana e de seu vice também é notável. Os minuciosos editais
especificam a marca de cada produto que deve ser adquirido, o peso
unitário e seu respectivo preço. São 410 tipos de comestíveis, que somam
68,2 toneladas de comida, o suficiente para alimentar, ao longo de 12
meses, 31 leões, os animais que dão nome ao palácio que sedia o governo
maranhense. Entre outros mantimentos, os editais falam em 8,3 toneladas
de carne bovina de vários tipos, 384 quilos de peru, 160 quilos de
lagosta fresca, 594 dúzias de ovos vermelhos e 3,7 toneladas de camarão.
Os copos, logicamente, não poderiam ficar vazios. Na licitação de
bebidas para os chefes do Executivo maranhense, a relação também zela
por quantidade, qualidade e diversidade. Foram listados 64 itens, que
somam 23.417 litros de alcoólicos e não alcoólicos. Além dos sucos e dos
19.433 litros de refrigerante de várias marcas, o edital fala em 1.275
litros de cerveja, 452 garrafas de espumante, 193 de uísque, 367 de
vinho, 82 de “vodka sueca” e 68 de licor. Tem mais: das 193 garrafas de
uísque, segundo o edital, 113 precisam ser “importado scotch deluxe
extra special 12 anos”.
A pedido da reportagem de ÉPOCA, um grupo de alunos do curso de
nutrição das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) de São Paulo
calculou as calorias totais de todos os produtos sólidos, líquidos e
pastosos listados nos editais de comes e bebes dos palácios do Maranhão.
São 154 milhões de calorias, o suficiente para alimentar 211 pessoas ao
longo de um ano. No Rio Grande do Norte, o sistema de compras é similar
ao do Maranhão. Lá, na última licitação, o valor anual para o
fornecimento de alimentos para a residência oficial da governadora
Rosalba Ciarlini (DEM), o hangar e a Casa Civil ficou em R$ 78.585,30.
Não chega a 5% da conta de Roseana Sarney.
No Maranhão, o fornecimento dos alimentos ficou a cargo de três
empresas. A CEG Fiquene conquistou os lotes de frutas e verduras, frios,
carnes, frutos do mar, doces e condimentos. A RNP Castro, que em anos
anteriores já fornecera duas vezes para as residências oficiais
maranhenses, entra agora com as bebidas alcoólicas. A terceira empresa
vencedora foi a Licitar Comércio, que atende Roseana e seu vice com
sorvetes e polpas de fruta. No edital de 2011, estavam separados os
alimentos que iriam para a residência da governadora e os alimentos do
vice. Neste ano, sem a separação, não é possível comparar quanto cada um
consome.
O governo diz que as compras agrupadas “possibilitam descontos maiores
pelo fator ‘economia de escala’”, segundo nota enviada pela assessoria
de comunicação do Palácio dos Leões. A esperada austeridade não se
confirmou, já que as despesas cresceram. Em 2011, o valor máximo
estimado nos editais era de R$ 916.225, dos quais R$ 813.099 foram
contratados. No edital de R$ 1,67 milhão deste ano, segundo o governo,
R$ 1,14 milhão foi contratado. Em um ano, portanto, sempre de acordo com
os números do próprio governo, os valores contratados cresceram 40% –
metade do aumento estabelecido inicialmente. Comidas e bebidas para
eventos e jantares com convidados são contempladas num outro processo de
licitação.
Num primeiro contato com a reportagem, a assessoria do Palácio dos
Leões informou que os alimentos listados nos editais não servem para
atender apenas a governadora e a seu vice, como aparece no Diário Oficial.
Serviriam também para alimentar funcionários da Casa Civil, empregados
do Cerimonial e até da guarda dos dois palácios. Tudo somado, segundo o
governo, as compras serviriam para atender 82 pessoas ao longo de 2012.
Num segundo contato, a assessoria do Palácio incluiu a Secretaria de
Assuntos Estratégicos e o Corpo de Bombeiros entre os órgãos
contemplados pelos editais.
A Casa Civil maranhense tem outra fonte de recursos alimentares. O
governo promoveu outra grande licitação para comprar comida em 2012, o
pregão 023/2011, realizado no fim do ano passado. O objetivo foi “a
contratação de empresa especializada no fornecimento de refeições
preparadas, do tipo quentinha e self-service, para atender à demanda da
Casa Civil e órgãos vinculados”. O valor: R$ 960 mil. Questionada sobre a
aparente duplicidade de compras, a assessoria informou que as
quentinhas são para outro público: os funcionários que não ocupam cargos
de chefia nos palácios do Maranhão.
Até hoje o Maranhão é citado como um dos campeões nacionais em
indigência. Mesmo com o aumento da renda nos últimos anos, o Estado
segue com a maior proporção de pessoas abaixo da linha da miséria do
Brasil – 13% – e com uma quantidade enorme de lares sofrendo com algum
tipo de insegurança alimentar – 65%. Esses dados sugerem que as
autoridades maranhenses precisam tratar a alimentação como prioridade.
Não apenas nos palácios do governo.
Fonte: Revista Época.
Fonte: Revista Época.
2 comentários:
Anônimo,
Recebi seu comentário da caixa de e-mail par moderação. Liberei mas não entendi por que não vei para a página. Obrigado pela participação.
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