AMBIGUIDADES DE UMA CULTURA PARTICIPATIVA NO MUNICÍPIO DE CODÓ
Por Arlindo Salazar Sousa Filho
A importância das cidades modernas, no que se refere a novas experiências políticas e à criação de novas instituições, acentuou-se muito ultimamente. As cidades estão no foco das discussões. O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) colocou mais em evidência a necessidade de se planejar as cidades e a propor soluções para os seus inúmeros “dramas”. O Estatuto ao exigir que cada cidade tenha o seu Plano Diretor Participativo, desperta um “olhar” para os problemas locais. “Os governos locais são obrigados, então, a responder a dezenas de questões e os seus gestores são pressionados de forma cada vez mais intensa”(Tarso Genro e Ubiratan Souza, 1997). As respostas aos dilemas locais tornam-se cada vez mais efetivas, pois estão baseados numa realidade local; por isso, mais eficientes.
Quando o problema deixa de ser nacional e passa a ser local, desperta maior interesse das comunidades. As instituições públicas e privadas, governamental e não-governamental passam a interferir no mesmo “espaço público”. Proliferou-se o número de associações defendendo os mais diferentes interesses: meio ambiente, educação, saúde, segurança, segurança alimentar, cultura, desenvolvimento sustentável, etc. Cria-se, então, uma cultura de maior participação dos comunitários nas decisões locais e até nacionais através das diversas representações estaduais.
Esta “nova” cultura participativa, fruto da descentralização e da institucionalização dos canais de participação implementados pela Constituição de 1988, apresenta-se repleta de ambigüidades.
Uma das primeiras percepções, a partir da observação do comportamento social do município, foi o fortalecimento do poder local do gestor municipal, ao passo que a sociedade civil continuou apática, alheia às decisões locais. Colhendo os ensinamentos de Borja (1988), “a participação popular exige por parte do Estado três condições iniciais: honestidade, eficácia e abertura do diálogo”. Estas ditas condições iniciais ainda não foram experimentadas por esta sociedade codoense. Os sucessivos governos, eleitos democraticamente, apresentam-se como verdadeiros coronéis, incapaz de perceber que a participação da sociedade é um instrumento legítimo de amadurecimento da nossa ainda insipiente democracia. A responsabilidade na busca de soluções não é mais só dos governantes é também responsabilidade dos administrados. A negativa ao diálogo provoca o afastamento do comunitário das decisões e leva, por outro lado, ao descontentamento com estes governos.
Para se contrapor a esses comportamentos coronelistas e autoritários, a comunidade tem se organizado em movimentos sociais. O exemplo mais recente foi o Movimento dos Trabalhadores Rurais da Região da Colônia, que tomaram as ruas da cidade apenas para ouvir do gestor do município o compromisso pela construção da ponte que há dois anos foi levada pelas enchentes (abril de 2009). Os trabalhadores não foram atendidos. Não houve diálogo.
Percebe-se também que a sociedade se ressente do que os estudiosos chamam de interlocutórios coletivos, ou seja, atores sociais envolvidos na cena política. Esta ausência é fruto da falta de prática participativa. Aos poucos vêem surgindo novos atores, com maior capacidade de interlocução e maior compreensão do papel da comunidade nestes espaços de discussão.
No município, foco de nossas observações, está consolidado o que podemos chamar de democracia participativa legal, ou seja, existem leis criando todos os tipos de conselhos, fóruns, etc. Estes espaços de co-gestão foram criados apenas para cumprir com o legalismo previsto nos instrumentos normativos. Não nasceram de uma consciência comunitária participativa, mas, tão somente, para que os municípios continuem a receber os repasses federais e estaduais. Na construção dos Conselhos, os gestores criam todo tipo de óbice à participação de representantes da sociedade civil que não comungam do mesmo pensamento do poder local momentâneo. Os representantes das comunidades, por sua vez, interessados nos favorecimentos que o governo pode lhe dar, aceitam e combinam a votação ou a escolha. Como resultado, temos Conselhos que não cumprem com a sua finalidade de serem, efetivamente, co-gestores.
Podemos, então, perguntar: a participação legalista garante a cidadania? Ariscamos a afirmar que não. Primeiro, porque cria com os conselhos mais uma instância de democracia representativa: um grupo que compõe o conselho representa o interesse dos demais membros da sociedade em uma determinada temática – educação, por exemplo - fazendo uma “ponte” entre o gestor municipal e a comunidade representada. Segundo, porque o cidadão continuará a ser visto como um indivíduo tutelado, incapaz de participar diretamente das decisões políticas, expressando os seus desejos e necessidades.
Uma das mais fortes barreiras à aproximação do cidadão com a prática de gestão, ainda é a herança patrimonialista impregnada nos gestores locais. Embora no discurso político a participação seja fomentada, na prática se utilizam de todos os artifícios possíveis para deter ou retardar a participação da cidadania nas decisões. Quando isto não é possível, acabam por legitimar apenas aqueles canais de participação que não apresentam um conteúdo transformador.
No município de Codó, foco de nossas observações, dois fatores foram significantes no sentido de encurtar esta distancia entre os gestores e os cidadãos, ou pelo menos, serviu para plantar uma semente que brotará. Em 2006, ainda que para cumprir uma determinação legal, foi amplamente discutido o Plano Diretor Participativo. Apesar de todos os artifícios engendrados pelos governantes, a equipe que estava à frente deste plano conseguiu mobilizar a sociedade e a fez participar ativamente do PDP. Lamenta-se a não implementação do plano nos anos seguintes, o que ocasionou algum descontentamento nas comunidades que não viram as suas sugestões sendo aplicadas. Em todo caso a semente foi plantada.
O outro fator, foi a organização dos movimentos de trabalhadores da educação municipal que de forma planejada conseguiram inferir no processo de gestão da educação municipal, culminando em 2010, com a aprovação dos seus Planos de Cargos e Salários.
Nos anos seguintes ao Plano Diretor, 2007 a 2011, o que percebemos é uma sociedade mais mobilizada, mais atenta às questões locais, mais consciente e mais participativa. Hoje, a sociedade já trabalha, sob a organização da Rede de Defesa dos Direitos e da Cidadania, a primeira Lei Municipal de Iniciativa Popular, no Estado do Maranhão. A Lei pretende dá publicidade e impessoalidade na distribuição de casas do Programa Minha Casa Minha Vida, evitando, assim, o clientelismo e o favoritismos ainda tão forte nas práticas de gestãp.
Apesar das ambigüidades e das dificuldades inerentes a este processo, alguns passos significativos foram dados. Há um grande caminho a ser descoberto e a ser percorrido.
REFERENCIAS
GENRO, Tarso. SOUZA, Ubiratan.Orçamento Participativo: a experiência de Porto Alegre. Porto Alegre.Ed. Perseu Abrano, 1997.
Brasil. Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providencias.
BORJA, Jordi. A participação Citadina. Revista Espaço & Debates. São Paulo, n. 24, 1998.
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