Texto: Jesus Chediak
“A laicidade não é mais aquele elemento de neutralidade que abre espaço para a liberdade de todos. Foi transformada em uma ideologia que é imposta por políticos que não dão espaço público para a visão católica ou cristã”.
BENTO XVI
Quando a ideologia laica nega a participação do cristianismo na vida política de um país unanimemente cristão como o Brasil, ela tenta caçar arbitrariamente a presença de Jesus na sociedade, procurando neutralizar o Seu poder transformador no cotidiano das pessoas e na História. Essa negação expressa o pensamento vaidoso de uma elite intelectual vazia de humanidade e, portanto, perversa, que critica cinicamente a verdade da fé cristã da quase totalidade da população brasileira, considerando-a como mera superstição. Ou seja, transforma a verdade popular em mentira, e afirma sua própria mentira individual como verdade nacional.
Como disse Ortega Y Gasset “o indivíduo isolado não pode ser homem. O homem separado da sociedade não existe, é uma abstração”. Seria Jesus, então, uma abstração para os políticos e acadêmicos, uma mentira fora da sociedade, ou um inocente útil ao sistema para manter o povo cativo aos interesses dos ricos? Ele mesmo disse: “Onde dois ou mais de vocês se reunirem em meu nome, estarei presente”; mesmo quando nos ensina a orar Ele é social, pois diz “Pai nosso” e não “Pai meu”.
E ainda, sobre a recompensa divina da objetividade da ação social, Ele fala: “Vinde, benditos do meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e me deste de comer; tive sede e deste-me de beber; era estrangeiro, e hospedaste-me; estava nu, e vestiste-me; adoeci, e visitaste-me; estive na prisão e foste me ver”. Ao perguntarem a Jesus, quando lhes tinham feito isso, Ele responde: “O que fizeram a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mat.25,18-21).
A herança política da Revolução Francesa, que eurocentrou o nosso país – primeiro por influência do Marquês de Pombal e da Igreja secular, depois da expulsão dos jesuítas – transformou as palavras de Jesus numa abstração religiosa fora da sociedade, numa promessa de gratificação celeste pelo sofrimento do povo brasileiro a ser paga fora desta vida, depois da morte. Isso para que o clamor evangélico de justiça social não atingisse os ricos, protegidos pela fronteira laica; para que, assim, eles pudessem servir “livremente” ao dinheiro, afastando do cotidiano a presença incômoda do evangelho onde vive nas letras sagradas o Espírito da Verdade, que une e renova a sociedade no amor, a cada dia. Quando Ele diz que seu reino não é deste mundo, quer dizer que não é deste sistema injusto que vive da mentira, mas propõe a realização da vontade do Pai “assim na terra como no céu”.
No Brasil, fora a atuação dos jesuítas, essa situação de negar a presença de Jesus na sociedade, para manter privilégios dos ricos, se reproduz desde o início da colonização, passa pela aristocracia do Império e continua nas oligarquias rurais que sobrevivem, até hoje, e se estende ao mundo urbano e à mídia que serve incondicionalmente à mentira de alguns como se fosse a verdade de todos.
Coisa do poder econômico que deforma a opinião pública através dos meios de comunicação e de políticos e acadêmicos farisaicos que falam sempre em nome do povo, mas que vivem eurocentrados longe da realidade brasileira, vaidosos conselheiros políticos laicos que se acham acima do bem e do mal, se travestem de estrategistas infalíveis, mas na verdade, são apenas repetidores insistentes de conceitos vazios e superados, que no passado, comprovadamente, não atingiram seus objetivos. São as posições “respeitadas” desses “especialistas”, malabaristas da mentira que a mídia incentiva e divulga como se fosse verdade. Esses exímios ilusionistas transformam a prática política num jogo de mentiras: o melhor mentiroso, o que melhor iludir o povo, ganha como prêmio o mandato e, quem sabe, vira enredo de escola de samba.
A Universidade de Brasília fez uma pesquisa onde mostrou que quanto menos estudo tem uma pessoa, mais ela atribui a verdade de sua própria vida a Deus. Os analfabetos e a maioria das pessoas de 1 o. Grau (87,79%), o 2 o Grau (82,27%) acreditavam na verdade divina, enquanto que, dos que tinham curso superior, apenas 46,5 criam em Deus. A realidade é que o universo dos analfabetos e do 1 o. e 2 o. Graus englobam mais de 90% da população brasileira.
Esses universitários negam a Deus, porque as universidades – com raríssimas exceções – ficam cada vez mais distantes da verdade do povo e da cultura brasileira. No Brasil, o idealismo conceitual iluminista domina as Ciências Humanas, consumando o laicismo numa ideologia que faz com que os alunos, assumindo uma falsa modernidade tenham preconceito contra a fé, isolem Cristo fora da sociedade, do contexto político e conseqüentemente de suas próprias vidas e da História. Nós, do PSC, temos que lutar com todas as nossas forças contra essa exclusão de Jesus da sociedade, o que, em última análise, é o reflexo da exclusão do nosso povo com Ele.
O quadro continua hoje o mesmo do início do cristianismo, apenas mudam os personagens e seus papéis, na luta entre a verdade cristã e a mentira do sistema. Não se trata, portanto, da mentira no plano individual, mas do próprio sistema político produtor e reprodutor da mentira coletiva ao abrigo da lei, que prega uma coisa e faz outra, isto é, dissemina a mentira como se fosse a verdade, iludindo toda a nação, inclusive às pessoas inocentes. Vide o governo de FHC e agora o de Lula: o primeiro, esqueçam o que escrevi; o segundo, esqueçam o que falei.
Jesus chamou os fariseus de mentirosos. Na época eles eram a elite governante, isto é, os doutores da Lei, sacerdotes e anciãos, que compunham as autoridades, defensoras do sistema moral e religioso que regia a vida social de Israel. Eles, convencidos que possuíam a verdade, por seguirem a Lei, levavam os pobres ao desespero, impondo-lhes um jugo de peso insuportável. Entretanto, para si reservavam as melhores casas, as mulheres mais bonitas, as melhores comidas, alguns possuíam cinco piscinas. Para não passarem no meio dos pobres construíam pontes suspensas de suas residências até o Templo. Jesus os associou ao diabo, o assassino, pai da mentira e da morte, em oposição a seu Pai, Senhor da verdade e da vida.
Ouçamos Jesus, falando aos fariseus, quando percebeu que queriam matá-Lo, em João 8,44-45: “Vós tendes por pai o diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai: ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele; quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira. (...) Mas, porque vos digo a verdade, não me credes”.
Ontem como hoje, o sistema da mentira não aceita a nossa verdade existencial, que é a mesma verdade expressa nas palavras e na existência de Jesus, que ele próprio doou em sacrifício redentor por todo o gênero humano, e se colocou como o único caminho para a se encontrar a vida eterna nas moradas do Pai. Logo, esse mesmo sistema mentiroso, em que vivemos hoje, vem sendo combatido pelos verdadeiros cristãos há dois mil anos. Se no plano individual nós fomos salvos pelo Cristo glorificado na ressurreição, no plano político os verdadeiros cristãos lutam, historicamente, para realizar a vontade de Deus “assim na terra como no céu” e construir uma sociedade fraterna, justa, próspera e solidária, à imagem e semelhança dos mandamentos e do exemplo de vida de Jesus, que trouxe o céu a terra e nos legou a cidadania celeste pela paternidade divina, unindo o nosso coração ao pacto social mais perfeito de todos os tempos: amai ao próximo como a ti mesmo.
2 comentários:
É possível fazer o socialismo com fé em Deus?
A pergunta que dá título a esta publicação foi feita pelo Pasquim, em 1980, ao marxista Leandro Konder. Abaixo, segue um trecho de sua resposta:
"Dos tempos de Marx para cá, muita água passou por baixo das pontes. As idéias de Marx seguiram caminhos mais variados e surpreendentes do que o próprio Marx poderia ter imaginado: caminhos que vão desde a União Soviética até a China, passando pela Romênia, pela Iugoslávia, pela Coréia do Norte, pelo Cambodja, por Cuba, pela República Democrática Alemã, por Moçambique, pela Bulgária, pela Hungria, pela Albânia, pelo Vietnam e pela Polônia. Quem é o genuíno herdeiro de Marx, o legítimo atualizador da perspectiva marxista? É Leonid Brejnev, Teng Hsiao-ping ou Santiago Carillo? É Fidel Castro, Enver Hodja ou Georges Marchais? Berlinguer ou Samora Machel? O fantasma de Stálin ou o de Trotsky? O fantasma de Mao Tse-tung ou o do marechal Tito? Como não existe nenhum 'marxímetro', capaz de medir o teor de marxismo contido em cada posição, é compreensível que um número cada vez maior de pessoas esteja chegando à conclusão - lúcida - de que o marxismo não tem dono.
Ora, se o marxismo não tem dono, com maior razão se pode dizer o mesmo do socialismo, que é um conceito mais amplo que o marxismo (porque pode haver socialismo que não seja marxista, mas não pode haver marxismo que não seja socialista). Seria, portanto, grotesco se os marxistas pretendessem ter o monopólio do socialismo e se negassem a reconhecer que o socialismo é de quem o fizer.
Os cristãos mudaram muito desde a época de Marx. Os caminhos do cristianismo não se mostraram menos variados e surpreendentes que os do marxismo. No século 19, havia poucos cristãos do lado da classe operária; hoje há milhões de cristãos integrados nos movimentos reivindicativos dos trabalhadores, enfrentando na prática os privilégios do capital e aprendendo na escola da vida o que Marx ensinou nos livros. Mesmo continuando a ser cristãos e continuando a ter fé em Deus, esses lutadores agem por vezes como se fossem revolucionários marxistas. Às vezes agem melhor do que os marxistas no fortalecimento do movimento operário. Com que autoridade alguns marxistas sectários, enciumados, poderiam impedi-los de assumir o lugar que ele conquistaram na efetiva vanguarda dos movimentos de massas?
Nas sociedades modernas, complicadas, a classe operária precisa travar uma luta política prolongada, que depende da sua capacidade de mobilizar aliados, somar forças, ocupar-manter-e-ampliar todos os espaços democráticos que o movimento de massas consegue abrir no interior do sistema capitalista. Por isso - para avançar através da democracia na direção do socialismo - a classe operária precisa do pluralismo.
Os marxistas sectários não se sentem seguros quanto à capacidade deles de conquistarem para o marxismo, no dia a dia, na prática consequente da democracia, a hegemonia na vanguarda das lutas de massas: por isso, procuram garantir antecipadamente a hegemonia para eles, recorrendo a procedimentos 'golpistas' e causando estragos no pluralismo. Não compreenderam, ainda, que qualquer prejuízo sério caussado à democracia acarreta grandes danos também à luta pelo socialismo.
Qualquer 'golpismo' e qualquer discriminação sectária provocam um estreitamento na base social e política que a classe operária precisa assegurar para não ser isolada pelo grande capital e para avançar na direção do socialismo. Nessas condições, como marxista, eu responderia à pergunta formulada pelo Pasquim da seguinte maneira: não só é possível, como é absolutamente necessário que o socialismo seja feito também - e decisivamente - por gente que tem fé em Deus".
O texto completo encontra-se no livro "O marxismo na batalha das ideias" de Leandro Konder.
É possível fazer o socialismo com fé em Deus?
A pergunta que dá título a esta publicação foi feita pelo Pasquim, em 1980, ao marxista Leandro Konder. Abaixo, segue um trecho de sua resposta:
"Dos tempos de Marx para cá, muita água passou por baixo das pontes. As idéias de Marx seguiram caminhos mais variados e surpreendentes do que o próprio Marx poderia ter imaginado: caminhos que vão desde a União Soviética até a China, passando pela Romênia, pela Iugoslávia, pela Coréia do Norte, pelo Cambodja, por Cuba, pela República Democrática Alemã, por Moçambique, pela Bulgária, pela Hungria, pela Albânia, pelo Vietnam e pela Polônia. Quem é o genuíno herdeiro de Marx, o legítimo atualizador da perspectiva marxista? É Leonid Brejnev, Teng Hsiao-ping ou Santiago Carillo? É Fidel Castro, Enver Hodja ou Georges Marchais? Berlinguer ou Samora Machel? O fantasma de Stálin ou o de Trotsky? O fantasma de Mao Tse-tung ou o do marechal Tito? Como não existe nenhum 'marxímetro', capaz de medir o teor de marxismo contido em cada posição, é compreensível que um número cada vez maior de pessoas esteja chegando à conclusão - lúcida - de que o marxismo não tem dono.
Ora, se o marxismo não tem dono, com maior razão se pode dizer o mesmo do socialismo, que é um conceito mais amplo que o marxismo (porque pode haver socialismo que não seja marxista, mas não pode haver marxismo que não seja socialista). Seria, portanto, grotesco se os marxistas pretendessem ter o monopólio do socialismo e se negassem a reconhecer que o socialismo é de quem o fizer.
Os cristãos mudaram muito desde a época de Marx. Os caminhos do cristianismo não se mostraram menos variados e surpreendentes que os do marxismo. No século 19, havia poucos cristãos do lado da classe operária; hoje há milhões de cristãos integrados nos movimentos reivindicativos dos trabalhadores, enfrentando na prática os privilégios do capital e aprendendo na escola da vida o que Marx ensinou nos livros. Mesmo continuando a ser cristãos e continuando a ter fé em Deus, esses lutadores agem por vezes como se fossem revolucionários marxistas. Às vezes agem melhor do que os marxistas no fortalecimento do movimento operário. Com que autoridade alguns marxistas sectários, enciumados, poderiam impedi-los de assumir o lugar que ele conquistaram na efetiva vanguarda dos movimentos de massas?
Nas sociedades modernas, complicadas, a classe operária precisa travar uma luta política prolongada, que depende da sua capacidade de mobilizar aliados, somar forças, ocupar-manter-e-ampliar todos os espaços democráticos que o movimento de massas consegue abrir no interior do sistema capitalista. Por isso - para avançar através da democracia na direção do socialismo - a classe operária precisa do pluralismo.
Os marxistas sectários não se sentem seguros quanto à capacidade deles de conquistarem para o marxismo, no dia a dia, na prática consequente da democracia, a hegemonia na vanguarda das lutas de massas: por isso, procuram garantir antecipadamente a hegemonia para eles, recorrendo a procedimentos 'golpistas' e causando estragos no pluralismo. Não compreenderam, ainda, que qualquer prejuízo sério caussado à democracia acarreta grandes danos também à luta pelo socialismo.
Qualquer 'golpismo' e qualquer discriminação sectária provocam um estreitamento na base social e política que a classe operária precisa assegurar para não ser isolada pelo grande capital e para avançar na direção do socialismo. Nessas condições, como marxista, eu responderia à pergunta formulada pelo Pasquim da seguinte maneira: não só é possível, como é absolutamente necessário que o socialismo seja feito também - e decisivamente - por gente que tem fé em Deus".
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Extraído de O marxismo na batalha das idéias, publicado em 2009 pela editora Expressão Popular.
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